Zona de Exploração: Por que os Aeroportos Brasileiros Cobram Tão Caro e Como se Defender
Entre o vácuo regulatório estatal e a voracidade comercial, o consumidor se vê encurralado. Entenda a lógica por trás dos preços abusivos e por que a sua única defesa real é fechar a carteira.
Na minha atuação como advogado especialista em Direito do Consumidor, poucas situações geram uma percepção de injustiça tão imediata e universal quanto o consumo em aeroportos brasileiros. Não se trata apenas de algo “caro”; trata-se de uma violação sensorial do senso de justiça.
É aceitável pagar R$ 20,00 por uma água? E R$ 42,50 por um combo de café e água? Esses valores não refletem qualidade, refletem oportunismo. É o preço que se paga por estar em um ecossistema que vê o passageiro não como cliente, mas como refém.
Este artigo visa dissecar, com profundidade, as engrenagens desse mecanismo e fornecer um mapa de navegação para que você, passageiro, deixe de ser a vítima preferencial desse sistema.
1. Anatomia de uma Armadilha: O “Consumidor Cativo”
Para entender o abuso, precisamos primeiro entender o ambiente. Um aeroporto não é um shopping center comum, embora se pareça cada vez mais com um.
A diferença fundamental reside na liberdade de locomoção. Em um shopping, se o café está caro, você atravessa a rua. No aeroporto, especialmente após a inspeção de raios-x (a chamada “área estéril”), essa liberdade é suprimida por normas de segurança.
Juridicamente, isso transforma o passageiro em um “consumidor cativo”. Ele está confinado, muitas vezes por horas (em casos de conexões ou atrasos), em um ambiente onde a concorrência é limitada ou inexistente. As administradoras aeroportuárias sabem disso. Os lojistas sabem disso. E o preço final reflete não a qualidade do produto, mas o “custo da oportunidade” de explorar alguém que tem sede e fome, mas não tem saída.
2. O Modelo de Negócio: Aeroportos ou “Shoppings com Pista de Pouso”?
Com as concessões à iniciativa privada, os aeroportos brasileiros mudaram seu modelo de gestão. Para pagar as outorgas bilionárias ao governo, as concessionárias precisam maximizar receitas.
Existem duas fontes principais de receita:
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Aeronáuticas: Tarifas de embarque, pouso, permanência de aeronaves (fortemente reguladas).
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Não-Aeronáuticas: Aluguéis de lojas, estacionamentos, publicidade (pouco ou nada reguladas).
Para fechar a conta, as concessionárias cobram aluguéis e “luvas” astronômicas dos lojistas. Um quiosque de 9m² em um grande aeroporto pode custar mais caro que uma loja de 100m² em um bairro nobre de São Paulo.
O lojista, pressionado por esse custo operacional brutal, repassa cada centavo ao consumidor final. O pão de queijo não custa R$ 22,00 porque é feito com queijo premiado; a garafa de 500 ml de água mineral por R$20,00, eles custam isso para pagar o metro quadrado mais caro do país.
3. O Papel (e a Limitação) da ANAC
É natural que o consumidor clame pela agência reguladora. “Onde está a ANAC?”. Precisamos ser tecnicamente precisos aqui para não criarmos falsas expectativas.
A ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil) tem sua competência legal focada na segurança da aviação civil e na regulação econômica das tarifas aeroportuárias (aquelas cobradas das companhias aéreas e a taxa de embarque do passageiro).
A lei de criação da ANAC não lhe confere o poder direto de tabelar o preço do café ou do sanduíche. O varejo dentro do terminal opera sob o princípio constitucional da Livre Iniciativa (Art. 170 da CF).
No entanto, há uma crítica moral e sistêmica a ser feita: é a própria regulação de segurança da ANAC que cria o confinamento. Ao não criar mecanismos para mitigar os efeitos colaterais econômicos desse confinamento que ela mesma impõe, a agência permite a formação de um vácuo regulatório onde a exploração prospera.
4. O Código de Defesa do Consumidor (CDC) como Escudo
Se a regulação setorial falha, socorremo-nos da norma geral. O CDC é plenamente aplicável nesse ambiente.
O Artigo 39, inciso V, é a nossa principal arma teórica: é vedado ao fornecedor “exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva”.
O inciso X do mesmo artigo também proíbe “elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços”.
Embora o lojista alegue que a “justa causa” é o seu aluguel alto, essa é uma transferência de risco do negócio para o consumidor que a jurisprudência, em tese, poderia combater. O problema é prático: quem vai entrar com uma ação judicial por causa de R$ 30,00 extras em um lanche? O custo processual e de tempo inviabiliza a ação individual, perpetuando o abuso pela impunidade dos pequenos valores.
5. A Única Solução Imediata: O Choque de Demanda
Diante da inércia estatal e da dificuldade prática da via judicial individual, resta a solução de mercado.
Nenhum preço abusivo sobrevive à falta de demanda. Vemos isso no comércio de rua em todo o Brasil: quando o aluguel sobe demais e o consumidor some, a loja fecha ou muda de ponto.
No aeroporto, a demanda continua existindo apenas por falta de planejamento ou hábito do consumidor. Se houver uma mudança cultural coletiva, onde comprar no aeroporto se torne a exceção e não a regra, a conta dos lojistas deixará de fechar, forçando uma renegociação dos aluguéis com as concessionárias e uma eventual baixa nos preços. O mercado só ouve a linguagem do prejuízo.
6. Manual Ampliado de Sobrevivência do Passageiro
Para não ser refém, você precisa de estratégia. A improvisação custa caro.
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A Regra de Ouro da Hidratação: A proibição é levar líquidos passando pelo raio-x. Leve sua garrafa vazia. Todos os grandes aeroportos (Guarulhos, Congonhas, Santos Dumont, Viracopos, Brasília, etc.) possuem bebedouros com água filtrada e gelada próximos aos banheiros na área de embarque. Economia imediata: R$ 15,00 a R$ 20,00 por pessoa.
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Alimentação Tática (LBYO – Lead By Your Own): Não há vergonha alguma em levar seu próprio alimento. Voos domésticos permitem sanduíches, frutas, barras de proteína, biscoitos. Prepare uma lancheira térmica pequena se for passar muitas horas. Você comerá melhor e gastará 80% menos.
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O “Pulo do Gato” dos Cartões de Crédito: Para viajantes frequentes, verifique se seu cartão de crédito oferece acesso a Salas VIP (LoungeKey, Priority Pass, DragonPass). Muitas vezes, a anuidade do cartão se paga apenas com a economia de alimentação nessas salas, onde comida e bebida são “gratuitas” (inclusas no benefício).
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Consumo na Área Pública: Se precisar muito comprar algo, faça-o antes de entrar na área de embarque (antes do raio-x). Embora ainda caros, os preços na “área pública” do aeroporto tendem a ser ligeiramente menores devido à maior concorrência e à possibilidade de o consumidor simplesmente ir embora.
Por fim, o alto custo dos alimentos nos aeroportos brasileiros não é uma fatalidade; é uma construção comercial permitida por uma falha regulatória. Enquanto aguardamos — talvez sentados — que as autoridades olhem para essa questão com a seriedade que ela merece, cabe a nós, passageiros, exercermos o voto mais poderoso que existe em uma economia de mercado: o voto do “não compro”.
Dr. Cláudio Manoel Molina Boriola, Advogado Pós-Graduado e Fundador da Boriola Advocacia. Especialista em Direito do Consumidor, Civil, Bancário, Administrativo e Imobiliário.
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Você já se sentiu “refém” em algum terminal pelo Brasil? Qual foi o preço mais absurdo que você já encontrou enquanto aguardava seu voo?
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