A prescrição é um instituto jurídico fundamental que visa garantir segurança jurídica nas relações entre credores e devedores. Ela estabelece um prazo para que o credor exija o pagamento de uma dívida, e, caso esse prazo não seja respeitado, a dívida se torna inexigível. No entanto, a questão da inexigibilidade de dívidas prescritas e seus desdobramentos, como a possibilidade de cobrança extrajudicial e a configuração de dano moral pela manutenção de informações negativas em plataformas de proteção ao crédito, têm gerado controvérsias e entendimentos divergentes nos tribunais.
Prescrição e Inexigibilidade: Uma Análise do Código Civil e do CDC
O Código Civil, em seus artigos 189, 205 e 206, estabelece os prazos prescricionais para diferentes tipos de dívidas. A prescrição extingue o direito de ação, mas não a obrigação em si. O devedor ainda pode cumprir a obrigação espontaneamente, mas o credor não pode mais recorrer ao Judiciário para exigir o pagamento.
O Código de Defesa do Consumidor (CDC), por sua vez, busca proteger o consumidor de práticas abusivas na cobrança de dívidas. O artigo 42 do CDC proíbe a exposição do consumidor inadimplente ao ridículo, constrangimento ou ameaça. Já o artigo 43 garante o acesso às informações sobre seus débitos e determina que, após a prescrição, não sejam fornecidas informações que impeçam ou dificultem o acesso ao crédito.
Cobrança Extrajudicial de Dívidas Prescritas: Uma Questão Polêmica
A possibilidade de cobrança extrajudicial de dívidas prescritas é um dos pontos mais controvertidos do tema. Alguns tribunais entendem que a prescrição extingue apenas a pretensão de cobrança judicial, permitindo a cobrança extrajudicial, desde que não seja abusiva. Outros tribunais, no entanto, defendem que a prescrição torna a dívida inexigível por qualquer meio, vedando qualquer tipo de cobrança, sob pena de violação do direito do consumidor à paz e à tranquilidade.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), em julgamento recente (REsp 1.882.980/SP), firmou o entendimento de que a cobrança extrajudicial de dívida prescrita é possível, desde que observados os princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato. A cobrança não pode ser vexatória, constrangedora ou ameaçadora, sob pena de configurar prática abusiva e gerar o dever de indenizar por danos morais.
Por exemplo, se uma empresa de cobrança liga para o consumidor diversas vezes ao dia, utilizando linguagem ofensiva e ameaçadora, mesmo sabendo que a dívida está prescrita, essa conduta pode ser considerada abusiva e gerar o dever de indenizar.*
Dano Moral e Plataformas de Proteção ao Crédito: A Importância da Jurisprudência
A jurisprudência tem desempenhado um papel fundamental na definição dos critérios para a configuração do dano moral decorrente da manutenção de registros negativos em plataformas de proteção ao crédito após a prescrição da dívida. O STJ, em diversos julgados, tem reconhecido o dano moral in re ipsa nessas situações, ou seja, o dano moral presumido, que dispensa a prova do prejuízo concreto.
A expressão latina in re ipsa significa “na própria coisa” ou “no próprio fato”. No contexto jurídico, refere-se a situações em que o dano moral é presumido, ou seja, é tão evidente que dispensa a necessidade de prova de um prejuízo concreto.
Por exemplo, no caso de negativação indevida do nome de um consumidor em órgãos de proteção ao crédito, o dano moral é considerado in re ipsa, pois o constrangimento e a dificuldade de acesso ao crédito são consequências evidentes e presumidas dessa situação.
A expressão in re ipsa é utilizada em relação à alegação de que a manutenção de informações negativas sobre dívidas prescritas em plataformas como o Serasa configura dano moral presumido, devido aos constrangimentos e dificuldades que podem causar ao consumidor.
No entanto, a jurisprudência também tem evoluído no sentido de exigir que a cobrança seja indevida e abusiva para caracterizar o dano moral. A mera manutenção do registro negativo, por si só, não é suficiente para configurar o dano moral, sendo necessária a demonstração de práticas abusivas por parte do credor, como a cobrança vexatória, o envio de mensagens ameaçadoras ou a negativação indevida do nome do consumidor.
Imagine um consumidor que teve seu nome negativado indevidamente por uma dívida já prescrita. Essa negativação o impediu de conseguir um empréstimo para reformar sua casa. Nesse caso, o consumidor pode pleitear indenização por danos morais, já que a negativação indevida lhe causou um prejuízo concreto.
A Dúvida do Consumidor e os Débitos Prescritos
Muitas vezes, o consumidor é induzido a erro ao consultar plataformas fornecidas por serviços de proteção ao crédito, como o Serasa. Nesses canais, podem aparecer dívidas prescritas com propostas de pagamento atrativas, com descontos que levam o consumidor a acreditar que a dívida ainda é válida e exigível. No entanto, esses apontamentos não podem ser divulgados a terceiros, sob pena de caracterização de dano moral.
Por exemplo, se alguma plataforma divulgar a terceiros informações sobre uma dívida prescrita do consumidor, isso pode prejudicar sua reputação e seu acesso ao crédito, configurando dano moral.
Orientações ao Consumidor
Caso o consumidor identifique em plataformas de proteção ao crédito a existência de dívidas prescritas, é aconselhável solicitar a retirada desses registros diretamente na plataforma. Se a solicitação não for atendida, o consumidor pode buscar o auxílio do Poder Judiciário, por meio de um advogado de confiança, para garantir seus direitos e obter a devida reparação por eventuais danos morais sofridos.
A inexigibilidade de dívidas prescritas e o dano moral nas plataformas de proteção ao crédito são temas complexos e em constante evolução na jurisprudência. A análise da legislação e dos precedentes jurisprudenciais revela a importância de equilibrar a proteção do consumidor com a segurança jurídica nas relações de crédito.
A cobrança extrajudicial de dívidas prescritas é possível, mas deve ser realizada com respeito aos princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato, evitando práticas abusivas que possam gerar dano moral ao consumidor. Além disso, é fundamental que o consumidor esteja atento aos seus direitos e busque orientação jurídica caso se sinta lesado.
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Dr. Cláudio Manoel Molina Boriola, fundador da Boriola Advocacia, atua com foco em Direito do Consumidor, Direito Civil e Direito Bancário. Nosso compromisso é com a excelência e a busca incessante pelos melhores resultados para cada cliente.
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Em quanto tempo prescreve uma dívida
O Código de Defesa do Consumidor (CDC) não estabelece um prazo prescricional específico para dívidas. A prescrição é regulada pelo Código Civil, que estabelece diferentes prazos para diferentes tipos de dívidas.
No entanto, o CDC, em seu artigo 43, § 1º, determina que os cadastros e dados de consumidores não podem conter informações negativas referentes a período superior a cinco anos. Isso significa que, mesmo que a dívida ainda não tenha prescrito segundo o Código Civil, as informações negativas sobre ela não podem ser mantidas nos cadastros de proteção ao crédito por mais de cinco anos.
O CDC, em seu artigo 27, também prevê a possibilidade de o juiz diminuir o prazo prescricional para a pretensão do consumidor, quando este for excessivamente longo. Isso significa que, em alguns casos, o juiz pode decidir que a dívida prescreve em menos tempo do que o previsto no Código Civil, a fim de proteger os direitos do consumidor.